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Nota sobre a desatenção e a impulsividade, sintomas relacionados ao TDAH

Sintomas relacionados ao TDAH

Atualmente o TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) tem ganhado destaque, sendo abordado pelos mais diversos profissionais, sejam da área da saúde ou não. Neste pequeno texto, não pretendo abordar o problema a partir da classificação pelos manuais psiquiátricos, seus sintomas ou como identificar – A internet já está cheia disso – Também não falo pelo olhar medicamentoso ou neuronal. Minha intenção é trazer uma leitura lógica acerca  da impulsividade e da desatenção – fenômenos que são tão comumente relacionados ao transtorno, e que causam preocupações a tantas pessoas.

A “desatenção” no dia a dia.

Geralmente, as preocupações e suspeitas do transtorno acontecem a partir de situações simples do dia a dia, sejam esquecimentos, lapsos, desinteresse, desorganização ou etc. Assim, quero propor uma situação igualmente cotidiana para a análise:

Encontro um amigo no mercado e este me convida para jantar. Me lembro que tenho um compromisso mais tarde e recuso o convite.

Neste exemplo, há uma situação na qual a memória do outro compromisso é evocada de maneira espontânea. Caso houvesse desatenção, eu poderia ter esquecido e marcado duas responsabilidades ao mesmo tempo. Podemos organizar a cena em:

Instante de ver: O amigo faz uma pergunta

Tempo de compreender: Lembro do compromisso mais tarde

Momento de concluir: chego a conclusão de que não será possível aceitar o convite.

Como o TDAH afeta o Outro?

O tempo de compreender é o momento em que o Outro entra em cena. [2] Escrevo “Outro” com grafia maiuscula propositalmente, para apontar um dos termos lacanianos mais importantes: O Grande Outro. Quando vou dizer algo, tenho a intenção da mensagem que quero passar – as palavras me ocorrem, organizo a frase e me comunico ao ouvinte. Por mais que eu escolha as palavras que usarei, não tenho total controle sobre o processo. Esse acontecimento, das palavras se encadearem de forma mais ou menos “automática” quando falo, acontece de forma associativa.

Assim como é impossível eu passar uma mensagem sem seguir as regras de comunicação, gramaticais, lexicais e sociais, não posso estar em dois eventos ao mesmo tempo. Ambos, surgindo a partir de associações, compõem o campo do Outro – a hiância entre um termo e outro, um pensamento e outro, uma palavra e outra. Uma pessoa com pressa não está necessariamente sem prestar a atenção, pode estar na iminência de passar dos instantes de ver aos momentos de concluir, sem que lhe ocorra algum fluxo de pensamento percebido entre estas situações.

A impulsividade no mundo digital

No mundo digital, o momento de compreender é diretamente afetado: A média entre um conteúdo e outro nas redes sociais geralmente é menor do que 20 segundos [4] – difícil que haja aí um tempo de compreender – e pode ser que uma notícia falsa seja compratilhada quando não se pensa um pouco sobre aquele tema ou deixe um tempo para que alguma dúvida emerja.

Essa lógica dos três tempos não está presente somente nas situações que levam segundos, como rolar um feed ou o tempo pergunta-resposta em uma conversa. Uma pessoa pode, na pressa de encontrar a solução para um sofrimento, não ter o tempo de compreender coisa alguma, e seguir uma lista de protocolos, em uma espécie de zigue-zague entre instantes de ver e momentos de concluir, sem nada compreender, sem nada associar.

Não uso a palavra “associar” a toa. Quando um psicanalista convida um atendido a deitar no divã e “dizer o que vier em sua cabeça”, não se trata de um modismo, algo espiritual ou mágico. O que acontece, é que quando se deita no divã a emergência do tempo de compreender é facilitada, e ocorre o que chamamos de associação livre.

Com essa associação, há a surpresa quanto ao que se disse, se introduz aí o tempo de compreender. Há a situação clássica de dizermos algo e nos surpreendemos, porque  pensamos que iriamos dizer outra coisa. Devemos a Freud a compreensão de que muitos lapsos e esquecimentos não acontecem ao acaso. [1]

Freud, Sigmund. A psicopatologia da vida cotidiana. Imago, 2. ed., Rio de Janeiro, 1996.

Lacan, Jacques. O Seminário, Livro 1: Os Escritos Técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

Lacan, Jacques. O tempo lógico e a certeza antecipada. In: Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 451-473.

Reeves, Byron et al. “Screenomics: A framework to Capture and Analyze Personal Life Experiences and the Ways That Technology Shapes Them. Human-computer Interaction, v.36, n.2, p.150-201, 2021.

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João Paulo Sampaio

Psicanalista e Pscicólogo

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Dedicado a escuta e investigação analítica, trabalho na psicanálise de orientação lacaniana. Para abordar a angústia de cada um, seja com quais nomes se apresente, ofereço um espaço onde cada palavra é valorizada, sempre com a singularidade como horizonte.

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