Formalizações, Grafos e Esquemas Instituto de Estudos da Linguagem - Unicamp 0342
Atividade final do curso “Psicanálise Lacaniana – formalizações, grafos e esquemas” Instituto de Estudos da Linguagem - Unicamp 0342
João Paulo Sampaio
Texto construído como atividade de conclusão de extensão universitária, além de fichamento pessoal, de modo que organize fragmentos do percurso das aulas, tecendo conexões entre os termos estudados e realizando uma linha de pensamento que pode mostrar-se proveitosa.
O campo psicanalítico
Me proponho aqui a uma tentativa de expor o que mais me chamou a atenção no decorrer do curso, a saber, a diferenciação de projeto freudiano e lacaniano para a psicanálise. Com Freud, percebe-se a intenção de formalizar a teoria e prática a partir da elaboração de um aparelho psíquico e seu funcionamento, evidente desde a nomeação escolhida para os alguns fenômenos estudados, até mesmo expressões como “psicologia profunda”. O termo inconsciente é anterior a Freud, porém, até então limitado a sua função adjetiva. Freud inicialmente faz do inconsciente uma espécie de “lugar psíquico”, no qual conteúdos estariam recalcados, emergindo em determinadas situações e sintomas, até que um psicanalista, através de sua técnica, pudesse trazer à tona tal conteúdo.
Para além de concepções como recalque originário, mito do pai da horda primitiva e desenvolvimento da libido, chama a atenção uma possível leitura biológica dos desenvolvimentos freudianos. Lacan propõe um retorno ao cerne da obra freudiana, a partir do movimento estruturalista e dialogando com autores como Koyré, Saussure, Jakobson e Lévi-strauss. Diante do debate epistemológico entre ciências humanas e da natureza, o estruturalismo, corrente que se propõe inconciliável com o paradigma evolucionista darwiniano, permite que Lacan coloque a psicanálise no diálogo com linguistas da época.
Psicanálise, estruturalismo e linguística
No senso comum, frequentemente é colocado a problemática do que seriam problemas “abstratos” e “concretos” – uma diferenciação que o estruturalismo não adota, uma vez que, como exposto na obra de Saussure, estrutura diz respeito a relações entre certo número de elementos, suas covariâncias e retroações. Este fato tem toda a importância na releitura de Lacan, uma vez que Freud dedicou-se incansavelmente em uma diferenciação no que seria interno e externo. Forjando os termos realidade psíquica e realidade externa, Freud chega a desenvolver uma teoria acerca do teste de realidade, na qual o sistema psíquico conseguiria encontrar ou não seus objetos no mundo exterior. Estas e outras considerações perdem força no ensino de Lacan.
Em Freud, encontramos termos como traços mnêmicos e representantes da representação, que são identificados por Lacan como semelhantes à produção de linguistas da época, sobretudo Saussure. Para este, uma nomeação não une uma coisa a um nome, mas sim um conceito a uma imagem acústica, que por sua vez não é um som material, mas sim a impressão psíquica do som. Saussure é responsável por grande parte do desenvolvimento do termo “significante”.
Um significante não é um signo. Este último, significa algo para alguém, enquanto o significante assume seu sentido somente em cadeia: Ele não remete a algo específico, exceto a outro significante, que por sua vez irá remeter a outro e a outro, sucessivamente. O valor de um significante é ser aquilo que nenhum outro daquele conjunto é. Assim, um significante em um enunciado ganha significação a partir de suas relações de vizinhança. Esta propriedade remete a sua função diacrônica, na qual para que haja determinado sentido, é necessário que cada termo da frase esteja em determinada ordem. Lacan chega, em alguns seminários, a se referir ao “tesouro dos significantes”, que seria o código partilhado pelos seres falantes. Mesmo permitindo alguma comunicação, o código não é absolutamente o mesmo para duas pessoas, fazendo do mal entendido intrínseco à linguagem.
O sujeito do inconsciente
Os significantes não vão se encadear da mesma maneira em dois falantes diferentes. Tampouco a cadeia se repete quando aquele que fala está na presença de uma ou outra pessoa. Assim, pode se identificar uma hiância entre um significante e outro, bem aí, Lacan localiza o sujeito. Já em Freud o eu não era uma unidade, entretanto, como destacado anteriormente, o conteúdo inconsciente para este autor existe antes que um analisante se proponha a falar. Com Lacan, o sujeito do inconsciente é produzido no momento em que o analisante se associa livremente na presença de um analista. Visto que a fala está endereçada a este analista, este tem total responsabilidade pelo o que é produzido, uma vez que diante de outro, a associação tomaria outros caminhos – a própria análise tomaria outro caminho. Em suma, o inconsciente seria produzido de maneira diferente.
Um novo olhar sob o complexo de Édipo
Se em Freud temos o complexo de Édipo em toda sua narrativa de mito, encontramos em Lacan a destituição de elementos imaginários e decomposição da estrutura em elementos mínimos, uma fórmula:

Sendo:
NP: Nome do pai
DM: Desejo da mãe
X: Significado para o sujeito
Φ: Falo
A: Outro
Esta, é uma estrutura fundamental, no qual as contingências variam em cada indivíduo, se nos debruçarmos sobre o termo “nome do pai” por exemplo, não é preciso necessariamente que haja um pai no sentido biológico, porém um elemento que realize esta função. Atualmente, aliás, há aqueles que prefiram nomear tal esquema de metáfora simbólica à metáfora paterna.
Outra formulação importante de Lacan foi a chamada fórmula da fantasia:

Nesta, temos o sujeito, sempre barrado, ora se aproximando ora se afastando do chamado “objeto a”. Este, não pertence ao registro do simbólico, e tendo no decorrer da obra lacaniana seu sentido idealista como operador lógico e ora sensível como objeto parcial no circuito pulsional. A aproximação do sujeito ao objeto a produz angústia, sendo este objeto, por excelência, o significante de gozo. Assim, notamos a fantasia como portadora de uma função, fazendo com que o sujeito não entre em contato direto com este real, que faz borda ao simbólico. Nota-se aqui que, sobretudo a partir do seminário 5, Lacan se esforça para diferenciar o conceito de real e o sentido de realidade, adotada no senso comum.
A fantasia nos ensinos de Freud e Lacan
Notamos que Freud remete a fantasia após elaborar sua “teoria da sedução”, entre 1985 a 1897. Neste período, pensa que a neurose seria desencadeada após um um abuso sofrido na infância quando lembrado em época posterior. Esta teoria foi abandonada por Freud mas não sem contribuir para uma nova formulação: O abuso não teria acontecido via de regra, mas sim, vivido sob a forma de fantasia. Notamos aqui, novamente, o peso que noções de realidade psíquica e realidade externa assumem na obra freudiana.
A psicanálise se nutre também da lógica e da filosofia
Acredito que um ótimo exemplo da noção de estrutura representada em um esquema está presente durante o desenvolvimento do seminário 17, no qual percebemos o período no qual Lacan mais dedicou-se a formalização dos chamados discursos, o que, na época, elucidava parte de movimentos sociais que estavam acontecendo na França, em maio de 1968.

Para uma explicação mais fecunda dos elementos, tomo como exemplo o discurso do mestre. Neste, podemos ver a relação hegeliana do senhor e do escravo, no qual o senhor, aqui representado por S1 (chamado de Significante mestre) se refere ao escravo, representado aqui por S2 (Saber). Já em Hegel podemos notar que o escravo é o detentor do saber, assim como o trabalhador possui determinado conhecimento, ou técnica, se assujeitando ao detentor dos meios de produção, que não detém o saber, tampouco uma completude, de modo que no quadrante da verdade temos, com efeito, o $ (sujeito barrado). Assim, na produção temos o “a” (mais de gozar). Sendo o a, o objeto de gozo, a sobra do lucro produzido a qual o trabalhador não tem acesso, podemos remetê-lo ao conceito de “mais valia” marxiano, que ao retornar ao agente-mestre, faz com que o trabalhador/escravo produza mais.
A presença e o ato do analista
“Girando” os elementos e mantendo a ação de cada um dos lugares, temos os outros 3 discursos, podendo identificar o discurso analítico como o avesso do discurso do mestre, no qual o analista, ao fazer semblante de objeto a, faz com que o sujeito, barrado diante de sua divisão subjetiva, produza S1s, ou seja, seus significantes mestres. Neste ponto, retomo o que destaquei noutra parte acerca do dispositivo analítico: O inconsciente sendo produzido naquele instante, na forma de significantes, que no caso ocupam determinados lugares nas cadeias associativas, insistências e posições de modo que quando emergem, possibilitam um ato analítico.
Um ato analítico funciona assim como um corte em uma estrutura topológica, permitindo um reviramento, uma modificação em como o fenômeno se apresenta. Me chamou a atenção a intenção de Lacan “elevar a psicanálise à dignidade da cirurgia”, de modo que trabalhando sobre tais superfícies, o analista possa embasar sua prática. É preciso saber o que escutar.
A topologia não é feita para nos guiar na estrutura, ela é a própria estrutura, de modo que, mesmo que o analista não o saiba, sua prática tem uma concepção topológica. Se trata de um ramo da matemática desenvolvido por Leibniz e Desargues, no qual não se estuda métricas e suas dimensões quantitativas como faria a geometria, mas sim o espaço qualitativo e seus reviramentos. Esta concepção, além de distanciar a psicanálise de uma possível leitura biologizante, permite uma compreensão e prática a partir de relações entre os termos, localizando o ato psicanalítico em uma estrutura lógica.
Como o famoso axioma “a relação sexual não existe” não diz respeito ao senso comum e ao biológico, nota-se a importância de uma compreensão da base epistemológica na qual Lacan utilizou para embasar a psicanálise, sem a qual, o praticante inadvertido, pode cair em concepções imaginárias, improvisos infundados em função de um “estilo” ou a repetição incessante de jargões.
Concluo com a sugestão de mais cursos, a fim de estudar partes específicas desta obra tão rica, com maior profundidade. As formalizações dos nós merecem muitas aulas, assim como a tábua da sexuação e tantos outros grafos e esquemas que vimos. Estou muito satisfeito com o curso, considero uma excelente porta de para o pensamento lacaniano a partir de suas formalizações, e bastante potente para estudar as diferenciações e aproximações do pensamento freudiano e lacaniano. Quanto às discussões durante as aulas, considero bem produtivas, mesmo quando tomaram rumos diversos, com frequência me colocou a trabalho de pesquisa.

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Dedicado a escuta e investigação analítica, trabalho na psicanálise de orientação lacaniana. Para abordar a angústia de cada um, seja com quais nomes se apresente, ofereço um espaço onde cada palavra é valorizada, sempre com a singularidade como horizonte.
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